sábado, 20 de abril de 2013

[mesmo difícil, eu ainda gosto de viver, sim?]

Estava determinada a fazê-lo, mas não sabia por onde começar. Pensando bem, parecia-me até um tanto ao quanto irónica essa ideia de iniciar o fim, mas não havia maneira de saltar essa parte. Era necessário começar. 

Fui para o meu quarto, tranquei a porta e baixei os estores quase por completo. Sentia-me confortável na penumbra, sem ter de ver o meu reflexo, sem ter de me ver como os outros vêem. Era o dia dos meus anos; tinha vestido o meu vestido bonito, aquele que comprei para uma ocasião especial mas que me faltou coragem para vestir. Estava a estreá-lo ali, sozinha no meu quarto, com uma garrafa de champanhe numa mão e um copo na outra. Estava sozinha, tal como estive a minha vida toda.

Se me perguntassem pelos motivos que originaram o que se seguiu, nem eu saberia responder. Estava farta da minha vida, estava farta de mim. Estava farta de ver destruir em segundos tudo aquilo que me demorava anos a construir. Tanta dor, tanto sofrimento tão mal compensado pelos cinco minutos de felicidade que só surgiam de vez em quando, não faziam a minha vida valer a pena. Estava farta de ser invisível. Estava tão cansada de ser a que nunca importava para ninguém, que julgo que já nem para mim mesma importava. Odiava-me demasiado para ainda querer saber.

Na maior parte do tempo, já nem sabia o que fazia. Falava à toa porque sabia que ninguém me ia ouvir; não tinha amigos, não tinha ninguém a quem gritar basta!, não tinha a quem pedir um abraço. Estava no fundo do poço.

Tirei da gaveta uma caixa de comprimidos. Eram fortes, o médico tinha-me alertado de que não deveria tomar mais do que metade de um por dia. Tomei cinco de uma vez. Seria o suficiente para morrer, mas não para me castigar. Ainda me sentia culpada por todas as minhas tentativas para entrar na vida de alguém, por todas as vezes em que sonhei com um amanhã diferente. Queria punir-me pelos meus próprios sonhos, tão pouco admissíveis para alguém como eu. 

Parti o copo, parti a garrafa. Caminhei sobre os vidros, acendi a luz e fui até ao espelho. Não ia fracassar, não ia chorar; limpei as lágrimas com raiva, mas surgiram mais lágrimas, e mais, e mais. Não conseguia parar de chorar, e começava a sentir-me realmente tonta, provavelmente, à custa dos comprimidos. Olhei-me nos olhos mais uma vez. Senti-me feia, mais uma vez. Peguei num pedaço de vidro e comecei a cortar-me. Se sentia a alma despedaçada, porque não poderia também eu estar feita em pedaços?

Sabia que não seria capaz de fazer cortes muito profundos, mas o as dores e o sangue a escorrer para o chão, confortavam-me. Lembrei-me dele mais uma vez. Pensei no sorriso dele. Pensei em mim, em tudo o que sou, em tudo o que não poderia ser. Cerrei os punhos com um vidro na mão e não consegui conter um grito de dor. Era assim então. Era assim que eu me ia tornar numa heroína aos olhos de todos aqueles que sempre me desprezaram. Ia deixar de ser invisível para ser a pobre miúda que se suicidou. E era agora que me iam dar valor? Que vidas tristes. Pudesse eu ter sido outra pessoa. Cravei outro pedaço de vidro; tinha o corpo coberto de sangue, o vestido bonito estava manchado, a minha vida tinha acabado ali.

Uma última lágrima. Uma última gota de sangue. Caí em cima dos vidros, mas já não senti dor. Olhei para o lado, e só vi a imensa poça de sangue em que me havia tornado. Era o fim, ou o início? Não sei. De repente,  eu era nada. Ou então, de repente, eu já era tudo. Foi assim no dia em que me matei.

4 comentários:

André Gonçalves disse...

Tu escreves incrivelmente bem. Eu adorei esta nova experiência :)

Almocreve disse...

Ainda bem que fizeste questão de informar. Acho bem que isto seja só literatura. :)

pastora disse...

eu gosto é de vir aqui ouvir música \m/ amo-te <3

patrícia disse...

Há alguém que goste, oh god *-*