domingo, 16 de junho de 2013

matthieu

Quase oito anos depois, ainda me lembro do dia da morte do meu primo como se tivesse acontecido ontem. E falo disto hoje porque ontem foi mais uma das muitas noites em que adormeço com essas imagens na cabeça, e preciso de falar disto. Lembro-me de tudo. O telefonema. As pessoas que, sem que eu saiba bem como, foram descobrindo que algo estava errado, e se começaram a juntar em casa da minha avó. As palavras dela que ainda me martelam na memória. E depois, o choro. Os gritos. O murro que vi a minha mãe dar na mesa. O desespero. Já não havia nada a fazer pelo meu menino.

Eu era pequena, tinha 10 anos. Pouco ou nada sabia sobre a morte. Ainda não sabia que essa filha da puta nos roubava as pessoas que amamos assim, tão injustamente. E tinham-me ensinado que as pessoas iam para o céu e viravam anjos, e que agora tinha um anjinho só para mim que me ia proteger em todos os momentos e que podia falar com ele quando quisesse.

Nunca disse a ninguém que vou sentindo aos poucos o vazio que nesse dia me pareceu indiferente. Na altura, eu não sabia bem o que estava a acontecer. Demorei até me aperceber de que, mesmo que vivendo longe, ele ocupava um espaço importante na minha vida que nunca mais seria ocupado por ninguém. Pertencia-lhe, e ainda lhe pertence.

Anos mais tarde, revoltei-me contra esse suposto deus. Custava-me acreditar que pudesse existir um ser supremo assim tão bom, que se tivesse distraído ao ponto de me ter roubado o meu primo, tão pequeno, tão inocente num mundo de gente que não vale a pena. Não podia acreditar nisso. Se ele existisse, teria ouvido todas as súplicas, todas as vezes que ouvi gente prometer-lhe este mundo e o outro em troca da vida do meu primo, e o meu menino teria hoje quase nove anos. Não ouviu. 

Hoje, já quase que perdoei esse deus. Não totalmente, mas já me permito a acreditar um bocadinho nele. Ainda assim, e não vá o diabo tecê-las, nas horas de maior aflição, - julguem-me por isto - é no meu primo que penso, é com ele que falo. Ainda acredito que ele me ouve.

2 comentários:

somaijum disse...

Acredito mais que ele te ouça, do que na existência de um deus que permite tanto sofrimento, tanta injustiça. :(

Sail disse...

É com estas situaçoes,que nos perguntamos se existira mesmo...