quinta-feira, 14 de novembro de 2013

sem título

Apercebeu-se com o tempo de que havia alturas em que não conseguia tirar os olhos da foto dela, e outras em que se sentia incapaz de a olhar. Não o fazia por mal - chamemos-lhe instinto de sobrevivência. De cada vez que a olhava, sentia-se como que trespassado por uma dor lancinante que não conseguia identificar; sabia que estava errado. 

Não que tivesse sido infeliz, entenda-se, porque não foi. Gostou da mulher, teve filhos, uma casa grande e um cão. Passando todos os anos em revista, pode considerar-se que teve uma boa vida - mas não a vida que desejava ter tido. De vez em quando, abria última gaveta da secretária, e escondida entre duas páginas de um grande livro velho, encontrava a única recordação que tinha daquela que me atrevo a dizer ser a mulher da vida dele. Retira-a com cuidado, observa-a mais uma vez; duas gotas gordas rolam-lhe pela face. Já passaram tantos anos. Soubesse ele que nunca a esqueceria. Soubesse ele que podia ter sido mais feliz se tivesse tido a coragem de não a deixar ir naquele dia.

Nem adeus lhe disse. Também nunca lhe disse que era e seria sempre a única mulher que amou na vida. Mas foi  - ele é que o descobriu tarde de mais.

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