quinta-feira, 24 de abril de 2014

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[é tudo tão mais fácil durante o dia, quando a claridade não me deixa pensar com clareza, quando tudo parece ter uma solução prática e viável que não passe pelo desespero iminente a que me entrego todas as noites -  a escuridão ofusca-me os pensamentos. fico com certezas de que não gosto, chegam-me ideias que não me convêm, até me lembrar de alguma coisa que me volte a turvar o que quer que seja que eu já tomasse como certo. não tenho um ponto de partida. neste momento, já nem faço ideia de onde quero chegar, ou se quero realmente sair do sítio onde estou, mas duvido que consiga ficar quieta. isso nunca foi do meu feitio - por mais que diga que desisto, insisto só mais um bocadinho, só mais uma vez, só mais cinco minutos, como que a prolongar uma esperança que me morre assim que nasce, qual última olhadela, derradeira olhadela, sobre o sítio bonito que teremos de abandonar. dói-nos sempre sair de um sítio onde nos sentimos bem porque sabemos que, quer demoremos um dia ou mil anos a voltar, nunca mais nada será como foi naquele dia, naquele momento, em que fomos felizes e tivémos de partir. se estivéssemos cientes da quantidade de perdas porque passamos ao longo da vida, da quantidade de vezes que nos despedimos de coisas sem o saber, na esperança de haver mais uma oportunidade, viveríamos muito mais infelizes. agora que a noite caiu, estou baralhada outra vez. nada me faz sentido, nada me sossega a alma, nada me cala a desilusão sentida que só cresce a cada dia que passa. ninguém me mata este fantasma enquanto me arrasto com ele atrás para cada canto da casa, enquanto tento, em vão, escapar-lhe a ele e à falta de ar que me causa de cada vez que tento respirar fundo, e volto a sentir a raiva que outrora senti, nos dias em que, tal como o de hoje, não sabia o que havia de sentir e não me restavam mais do que os sentimentos mesquinhos de quem está de mal com a vida. hoje, enraivecem-me todas as vozes do mundo, enraivece-me o gajo que insiste em publicar fotos dos músculos, enraivece-me a música que parece contar a minha história, enraivece-me a minha história porque sei que a tive nas mãos, enraivece-me o passado, enraivece-me o futuro, enraivece-me o agora que me deixa desnorteada e sem saber muito bem para onde ir. enraivece-me a cobardia, a falta de consideração, a indiferença. não, estas não me enraivecem; magoam-me. magoam-me como talvez nunca me haviam magoado antes. e eu quero adormecer. quero entregar-me ao mundo dos sonhos longe do desespero, longe da angústia, longe de tudo o que sinto acordada, mas não consigo. abri a janela e encontrei-me com a noite; o frio que se abateu sobre mim, despertou cada um dos meus sentidos. agora sou mais eu outra vez. sou menos dor e mais patrícia. sou um naufrago que ainda não desistiu de tentar voltar a pisar terra - mas a minha terra há de ser bem longe da de quem me atirou ao mar. há de ser noutro sítio, num qualquer sítio, de onde não se aviste o primeiro que me julgo incapaz de perdoar e onde não me magoe mais ainda o facto de não lhe fazer diferença. talvez essa terra fique no futuro, mas acho que posso esperar. posso não desesperar. comecemos de novo.]

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