sábado, 5 de julho de 2014

dizem que não há papões

Dizem que não há papões, que não há monstros debaixo da cama, mas eu tenho um - tenho um que me deixa dormir mas que me apoquenta a alma e me devolveu hoje o desespero de outros tempos. Tenho um monstro feio no armário, um monstro chamado cancro, que já me roubou uma pessoa de quem eu gostava muito. E agora quer levar-me outra.

De repente, todos os meus problemas começaram a parecer insignificantes, menores, sem fundamento. De repente, tudo o que eu queria era poder dar-lhe metade da minha saúde, metade de mim, só para ter a certeza de que ela não deixava que o filho da puta do cancro ganhasse a luta. Só para ter a certeza de que não me roubam mais ninguém. 

Sou incapaz de imaginar o mundo sem ela. Sou incapaz de imaginar o dia em que não a vou ter a falar de mim como sendo a neta mais velha que ela teve, muitos anos antes de sequer ter idade para ser avó*, a dizer que eu sou a menina dela, a eterna menina dela, e que quer mesmo é ver-me bem na vida. Ela nem faz ideia de que eu já sei - e nem acredito que saiba o quanto gosto dela e o quão assustada estou com a perspetiva de a perder -, mas queria que ela o dissesse. Queria que ela o dissesse e queria poder abraçá-la hoje, amanhã, e depois. Queria poder estar com ela todos os dias e não voltar a cometer o erro que cometi há uns anos atrás - queria aproveitar. Aproveitá-la. Eu sei que a probabilidade de ela sobreviver a isto é pequena, demasiado pequena (malditas estatísticas!), para continuarmos a fingir que tudo se resolve e que não vale a pena perder tempo a mostrar o quão importante é para nós. Aprendi-o noutros tempos, num passado ainda meio recente - qualquer minuto, pode ser o último. E é verdade que a vida é puta e não é justa para ninguém. Ainda vale a pena gritar a um deus qualquer que não a deixe morrer?

* Não se trata da minha avó. Trata-se de uma prima afastada que se costuma referir a mim como a neta mais velha, embora não tenha sequer idade para ser minha avó.

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