domingo, 24 de agosto de 2014

até depois

Já me cruzei com tanta gente, já me apaixonei um milhão de vezes, mas é a ti que volto - não que sejas o melhor, entenda-se. Na realidade, gostar de ti só é equiparável a estar abandonada num barco podre, em mar alto, a meio de uma tempestade. Não te iludas; não vales nada e o teu único feito é virares a minha vida do avesso - mas transformas a minha vida nesse tal inferno em que vale a pena viver. Esse inferno viciante de onde se sai com a certeza de que um dia se há de voltar.

Não senti a tua falta, inicialmente. E mesmo agora, confesso, não são saudades que me tiram o sono à noite, porque sei que não me adianta muito ficar a pensar em ti, onde estarás, como estarás. Com quem estarás. Deixei-te ir porque sei que temos tempo e que se tempo não houvesse ainda havíamos de o inventar - hei de te voltar a pertencer, sim, e cagaremos de alto nesse gajo que diz que ninguém é de ninguém. Hei de ser tua, nem que seja quando tiver de te espreitar a barriga de cerveja por trás dos meus óculos fundo de garrafa e dos meus cabelos brancos. 

Mais tarde ou mais cedo, vou acabar por te encontrar. Vai parecer um acidente mas não acredites muito nisso - é provável que eu acabe por andar louca à tua procura. Começa a desconfiar da gaja que encontras todos os dias na tua rua, enconstada à parede, a fumar com o olhar vago de quem não está realmente ali - mas tem cuidado! Se me confundires com uma prostituta é mais ou menos provável que eu esteja do outro lado da rua e acabes com uma pochette entalada no cu. Meu amigo, eu vou estar em todo o lado. Vou dar por mim sentada na estação do metro que apanhas todos os dias para o teu emprego chato, tão chato quanto tu, à espera que em algum desses dias possamos viver um reencontro como os outros tolos apaixonados. Ou então vou aparecer à tua porta, despenteada e de pijama, com o ar de quem acabou de sair da casa ao lado, e usar a desculpa do punhado de sal para fazer o almoço.

Ou talvez não. Talvez tome coragem e te toque à campainha e te responda, quando a tua voz rouca soar no intercomunicador a perguntar quem é, que sou eu. Só assim. Sou eu, e espero que esse laço inquebrável, imutável e, definitivamente, inexplicável, te conte quem sou eu. Quando isso acontecer, abre a porta de par em par e deixa-me entrar; vê-me sentar no canto do teu sofá, pés descalços e joelhos encostados ao peito, e oferece-me um café.

Talvez eu esteja a chorar, talvez esteja feliz. Talvez esteja hipnotizada por essa espécie de apatia que nos chega sempre que chegamos onde realmente queremos ir e entendemos que valeu mais o caminho do que a meta. Não sei. Não faço ideia do que pode acontecer a seguir - talvez tenhas alguém, talvez eu já nem queira saber. Mas deves-me uma conversa; deves-me um par de horas e um abraço. Ou então, deves-me o silêncio barulhento a que me habituaste - consigo ouvir cada palavra do que não dizes. Mas deixa-me entrar e depois logo se vê. Temos tempo.

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