quarta-feira, 29 de outubro de 2014

o que não se envia

A minha eterna mania de fugir deu-me a falsa crença de que poderia voltar atrás quando quisesse porque, afinal, se fui eu quem fez também me deveria ser permitido desfazer. Mas na prática nada disto funciona assim - chega a uma altura em que as pessoas se fartam das minhas sucessivas idas e vindas, dos meus avanços e recuos sempre desculpados com os mesmos motivos. Já não posso corrigir tudo com um pedido de desculpas, por mais sincero que ele seja. Lamento.

O meu mal foi ter-me permitido a transformar nesta tempestade improvável e incansável que leva tudo de arrasto; habituei-me de tal maneira a dizer o que quero e a fazer o que me apetece que acabei por me esquecer de que era um ponto sem retorno e, eventualmente, acabaria por destruir tudo à minha passagem. A culpa é minha - por mais que eu tenha tentado culpar-te, tu fizeste o que podias. Lutaste por mim de uma forma que eu nunca soube fazer por ninguém. Eu estou errada e sei disso mas sou demasiado fiel a mim própria para me permitir a tornar mais domável. A aceitar mais o que habitualmente me faz pôr-me a milhas. A, sei lá, tentar, quando isso implica humilhar-me.

Achei sinceramente que nunca mais correria atrás de ti. Acreditei piamente em todos os meus pensamentos e, sobretudo, em cada palavra por mim proferida, de cada vez que disse que eras passado, que já não queria saber. Que estava muito melhor sem ti. Mas não estava; nunca estive. O problema, entendo-o agora, foi ter aparecido alguém capaz de me dar a mão a tempo de não me deixar cair; e eu fiquei ali, suspensa, hipnotizada, presa, a viver uma história que não podia ser a minha. Sim, estranhei a rapidez - eu não me afeiçoo a ninguém com tanta facilidade, mas precisava de alguém que preenchesse o espaço vazio por ti deixado. E fui sendo feliz aos bocadinhos, por mais que, de vez em quando, as tuas recordações me invadissem a memória e eu desse por mim de lágrimas nos olhos - mas achei, juro que achei, que ter-me livrado de ti tinha sido o melhor presente que dei a mim mesma.

Um dia calhou esbarrar contigo numa rua - estava à espera que me dissesses tudo o que eu merecia ouvir. Acho que tive medo disso na altura, e foi por pura cobardia que tentei passar despercebida. Não estava preparada para ser confrontada com a verdade; ao invés, falaste-me de mansinho e isso era ainda mais aterrador. Ouvir a tua voz, doía. Cumprimentar-te como se nunca antes te tivesse beijado, doía. Preencher silêncios com conversas de circunstância quando antes tínhamos tanto para dizer, doía. E foi por isso que, como sempre, fugi; disse que estava com pressa e desci a rua em passo acelerado, pensando que nada mais me doeria se estivesse suficientemente longe de ti. Mas enganei-me - depois de tudo, o que mais me doeu foi espreitar por cima do ombro, momentos antes de mudar de rua, e ver o que eu já desconfiava ser a verdade; continuavas a olhar para mim. Porque é que eu não voltei para trás? Não sei.

Não se esquece ninguém de repente e, qualquer indício em contrário, é mera ilusão. Podemos sentir-nos meio anestesiados ao início, podemos não sentir absolutamente nada, podemos até começar a refazer as nossas vidas, mas nunca se esquece enquanto o assunto não estiver realmente encerrado para nós. Não se esquece porque se diz que esqueceu. Não se esquece porque se quer - e eu não fui nem sou capaz de te esquecer assim. Mas as paixões sinceras são mesmo essa coisa louca que nos deixa sem chão, que nos vira do avesso, que nos rouba o ar e que nos leva vezes sem conta ao tapete; humilharmo-nos faz parte. Dizer o que sentimos é o melhor presente que podemos dar a alguém - e isto pode durar só mais cinco minutos mas é suficientemente louco para eu não o deixar ir. Aliás, nem o queria por menos. 

Deixei-te ir uma vez - agora o plano é ir atrás. Até já.

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