segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

meios escritos

Desde que te foste embora, deixei de fazer as refeições à mesa - não conseguia lidar com o teu lugar vazio à minha frente sem começar a pensar naquela altura em que éramos felizes. Chama-me louco - não fui capaz de lavar a tua caneca no dia em que te foste embora. Nem nas duas semanas que se seguiram. De alguma forma, achei que poderias querer voltar e tomar o teu café, mesmo frio, mesmo insípido, mesmo depois de ter estado entre nós na discussão que ditou o nosso fim. Se voltasses, queria que soubesses que o teu lugar estava intacto. Tal como o meu amor por ti.

Naquele dia, não foi diferente. Acordei tarde e com a casa num caos - tinha mais cuidado com o teu lado da cama do que com o resto da casa, e estava capaz de jurar que o colchão ainda guardava as formas do teu corpo. E o teu calor. Não queria perder o pouco de ti que tinha ficado para trás; sentei-me no chão da cozinha para tomar o pequeno almoço. E depois saí.

Apanhei o metro para o trabalho mas saí quatro paragens antes; não era capaz de me sentar por trás de uma secretária e fingir que sou um tipo normal, com um emprego normal e uma vida normal. Não naquele dia em específico em que fazia precisamente dois anos desde o dia em que consegui que te rendesses e que aceitasses caminhar lado a lado comigo. Sempre sofri de uma memória terrivelmente boa, meu amor. 

Arrastei-me pela cidade o dia todo. Não tinha onde ir mas também não queria ir a lado nenhum; precisava de não estar parado e de ter uma réstia de esperança de te encontrar por acaso. Mas isso não aconteceu.

Já perto do pôr do sol, fui ao teu sítio favorito, o tal onde te pedi em namoro; de alguma forma, sempre soube que te encontraria lá, mas precisei de esgotar todas as outras hipóteses antes disso. Queria correr para ti, mas paralisei; és tão bonita quando nem fazes ideia disso que era impossível não ficar ali, só a olhar para ti, com a figura entrecortada pela sombra de um sol que se escondia, provavelmente com vergonha de não conseguir ser tão brilhante quanto tu. Ou então era só porque estávamos no final da tarde, mas bem sabes que sempre fui mais dado ao romantismo do que à lógica - perdoa-me os tropeços.

Quando te viraste para mim, soube que também estavas à minha espera; sorriste. Demorei uns vinte passos a perceber que tinhas as lágrimas nos olhos e o mundo inteiro a pesar-te nos ombros. Parei; estávamos à distância de um braço mas não sabia se poderia avançar. Queria abraçar-te, depois de tudo, mas sempre me foste realmente indecifrável e era impossível saber se era seguro ou não fazer de conta que não se tinham passado meses desde a última vez em que foste minha.

«Demoraste», disseste. Respirei de alívio; «não sabia se devia vir». Nesses segundos, vieram-me à memória todas as palavras da última discussão, a forma como nos culpávamos um ao outro pela rotina, pelos dias sem sabor, pelo nada em que tínhamos transformado as nossas vidas. E a forma como deixámos que mal entendidos nos tivessem destruído. «Desculpa», salta-te da boca. E eu desculpo-te porque não sei viver sem ti e porque não vale a pena forçar-me a aprendê-lo. Sorrio-te. Amo-te mais uma vez, mais um bocadinho do que todas as outras, amo-te para sempre enquanto o sempre for nosso e feito à nossa medida. Estendo-te a mão, «vamos?». E fomos. Fomos ali ser felizes e não voltámos mais.

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