sexta-feira, 4 de setembro de 2015

tinha de falar sobre os sírios também

O que mais me surpreende na raça humana é a capacidade que tem de repetir as mesmas premissas durante anos e anos a fio e, mesmo assim, nunca chegar a ser capaz de compreender o seu verdadeiro significado. Uma ação gera uma reação: não podemos andar por aí a distribuir facadas e esperar beijos em troca. Não é bem assim que o mundo funciona.

Falo nisto hoje porque, mais uma vez, envolvi-me numa discussão sobre os sírios, mas poderia falar nisto em qualquer outro dia da minha vida e continuaria a fazer todo o sentido porque o preconceito nunca dorme nem tira férias. Está sempre aqui. Está sempre em todo o lado.

Há algumas - infelizmente, muitas - alminhas que estão a dar em loucas só de imaginar a vinda dos sírios para portugal porque, afinal, há por aí muitos mais países com mais condições e certamente que eles só vêm para cá para instalar a desordem. Já quase que se começam a preparar para anunciar atentados e outros desastres do género. E eu acho que isto faz todo o sentido.

Parece-me lógico: fogem do país deles porque está em guerra e vêm montar outra guerra aqui. Ou em qualquer outro lugar do mundo mas, entenda-se, nos outros países não faz mal porque têm outras condições e pelo menos não nos vêm chatear a nós, um povo eternamente sofrido mas confortavelmente à beira mar. Ah, que vida maravilhosa!

Gostava que toda a gente tivesse uma capacidade intelectual que lhes permitisse compreender que há pessoas boas e pessoas más de todas as raças, nacionalidades, religiões, e tudo mais que queiram usar para dividir o mundo. Há sírios bons e sírios maus. E quem diz sírios diz ciganos, pretos, muçulmanos, hindus. E brancos, os brancos como nós: há bons e  maus.

Ninguém me tira da ideia de que os problemas advindos de qualquer um dos supracitados são, muitas vezes, causados por nós, que nos continuamos a julgar uma raça superior a todos os outros e que preferimos apontar o dedo e dizer que foi o cigano que nos bateu do que confessar que fomos nós que o provocámos em primeiro. Porque é mais fácil, mais óbvio. Mais normal: são eles os maus e nós os mártires nas mãos deles. Sempre.

Pouco importa as razões que levam os sírios a fugir do seu país natal. Aliás, hoje cheguei mesmo a ouvir um «eles andam a matar crianças em alto mar!» que me chocou: as crianças morrem tal como morrem os adultos. Morrem numa tentativa desesperada de sobreviver e, por isso mesmo, têm mais mérito na própria morte do que nós algum dia teremos: morreram a tentar. Morreram desesperados, mas a tentar. E quando conseguem chegar, em vez de apoiar, ainda há quem ache que os pode usar para o jogo da batata quente: podem estar em todo o lado, menos ao pé de mim.

Desculpem: a probabilidade de aparecerem mortos numa valeta ou de alguém meter uma bomba no vosso local de trabalho não vai aumentar exponencialmente só porque há sírios em portugal. Infelizmente, vivemos num mundo onde isso pode acontecer em qualquer momento, e pelas mãos mais inesperadas de todas. Nem tão pouco digam que não há trabalho para nós quanto mais para eles, porque isso dá-me vontade de rir: não falta trabalho em portugal. Há é excesso de pessoas à procura de um emprego, e a recusar trabalho. Tabalhos esses que acabam por ser aceites por quem não tem escolha. E quem perde somos nós.

Não teríamos problemas a trambolhão se os portugueses não fossem um povo tão hospitaleiro apenas para quem vem de países com pedigree - mas, conhecendo como conheço as crias lusitanas, vão culpar os sírios de tudo, tal como culpam a crise e a praxe. E por mim estão à vontade, mas depois não se queixem. 
É bem feita.

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