terça-feira, 9 de maio de 2017

era um peso morto.

Não sou insensível, não acho piada à desgraça alheia, não encaro a morte como algo leviano - mas este humor negro que deus nosso senhor me deu é, provavelmente, o melhor antídoto para a loucura quando se trabalha num hospital e se lida com situações que nos fazem colocar toda a nossa vida em perspetiva - porque acontece, muitas vezes. 

Ninguém vos conta, mas às vezes dói muito ver alguém chegar a um estado que não desejamos a ninguém - dói ainda mais imaginar os nossos a chegar a esse mesmo estado. Às vezes dói ver sonhos a ir por água abaixo, vidas a esgotarem-se, sorrisos a falhar. E dói mesmo, caramba. Não é de ânimo leve que se fazem cuidados post-mortem a alguém cuja esposa esteve, ainda há umas horas, a chorar à nossa frente, pelo medo misturado com a certeza de que o ia perder. A maior parte de vocês nunca vai saber o que é tocar num corpo sem vida sabendo que é o pai de alguém, o filho de alguém, o marido de alguém. O amor da vida de alguém - e desejar, desejar mesmo, nunca ter de ver um dos vossos assim, sabendo que é inevitável.

Por isso, aguentem o meu humor negro. Aguentem as piadas esquisitas, aguentem esse meu lado que parece quase diabólico aos olhos de quem não é capaz de entender que essa é a minha forma de não ver além do que vejo, de não sentir além do que sinto e, sobretudo, de não enlouquecer.

1 comentário:

Anónimo disse...

É o teu modo de assobiar ao medo. :/